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A genuína história do choro

Poucas coisas têm mais cara de Brasil do que aquela levada irresistível de violão de 7 cordas, cavaquinho, pandeiro e flauta. Por isso, hoje vamos te contar a história do choro para você entender a importância deste gênero musical na nossa cultura.

Chiquinha Gonzaga
Uma das personagens essenciais do gênero musical é Chiquinha Gonzaga (Foto/Reprodução/Internet)

Popularizado na virada do século XIX para o XX, o choro simboliza um Brasil que deixa de ser colônia e passa a criar as próprias raízes. Mesmo hoje, em dias em que a música pop nacional tem uma cara global, é um dos estilos musicais brasileiros que mais nos representam!

Como surgiu o choro?

A história do choro começa no Rio de Janeiro, então capital do país, na segunda metade do século XIX. Os primeiros grupos apareceram na década de 1870. Com a proclamação da República, em 1889, e a busca pela ênfase de uma cultura genuinamente nacional, o choro ganhou ainda mais popularidade.

Nesse período, ainda eram muito comuns os bailes da alta sociedade nos salões cariocas. Os músicos brasileiros que se apresentavam nesses eventos eram responsáveis por um repertório formado, em sua maioria, por valsa e música europeia.

Trazendo para esse som elementos de matriz africana, esses instrumentistas acabaram criando um estilo ao mesmo tempo sofisticado, melódico, cheio de balanço e improviso. Era o nosso choro nascendo!

Quais são as influências do choro?

Ao chegar ao Brasil em 1808, a família real portuguesa trouxe para o país instrumentos populares na Europa, como piano, clarinete, violão e bandolim.

Já os principais gêneros do Velho Mundo importados para as nossas festas foram:

  • valsa;
  • mazurca (dança polonesa de ritmo ternário);
  • modinha portuguesa;
  • schottish;
  • polca, de origem tcheca.

Junto desse caldeirão, os ritmos africanos tiveram papel essencial na criação do choro. Entre eles, o lundu – canto e dança trazidos ao Brasil de Angola e do Congo. Do lundu, o nosso choro herdou o bandolim, além do bom humor e da ironia.

Outro ritmo, o maxixe, foi criado no Brasil, mas pelas mãos (e pés) de afrodescendentes. Considerado o “tango brasileiro”, o maxixe foi uma das danças de salão mais famosas do século XIX. O ritmo sincopado e a harmonia complexa se tornaram fortes influências do choro.

Também tem seu pezinho no choro a habanera, dança criada em Cuba a partir de ritmos africanos. Levada à Europa, a habanera ficou tão popular que virou até ária de ópera, em Carmen, de Bizet.

A popularização do choro

Assim como grande parte da nossa música, o choro se desenvolveu na mistura entre o erudito e o popular. A vinda da corte portuguesa trouxe uma grande renovação urbana para a capital, além de criar vários cargos públicos, movimentando a classe média local.

Em 1850, o tráfico de escravos foi extinto no Rio, o que motivou maior participação da cultura afro na nossa sociedade.

Todo esse pessoal reunido resultou no aumento da vida cultural e boêmia carioca. Multiplicaram-se as rodas musicais nos bares e esquinas.

E adivinha como era o som que enchia os ouvintes boêmios? Exatamente aquela mistura da música tradicional europeia executada nos grandes salões, com os ritmos afro-brasileiros das nossas ruas!

Esses encontros originaram as lendárias rodas de choro, presentes na noite brasileira até hoje. As reuniões eram formadas principalmente por funcionários públicos da classe média baixa carioca. Não eram músicos profissionais, por isso a dedicação à música era por puro prazer.

O jeito despojado de tocar e a técnica limitada simplificaram o estilo, trazendo ainda mais espontaneidade para o choro. Estava nascendo o primeiro ritmo totalmente brasileiro, unindo classes sociais e tomando o país.

A origem do nome choro

Segundo o historiador e sociólogo Luís da Câmara Cascudo, o nome choro veio de xolo, um baile feito por escravos em fazendas.

O jornalista Ary Vasconcelos associa o nome aos choromeleiros, músicos afro-brasileiros que se apresentavam em frente a igrejas.

Outra versão conta que o termo veio da fusão entre choro (do verbo chorar) e “chorus” (coro, em latim).

O significado mais famoso, no entanto, vem de Lúcio Rangel e José Ramos Tinhorão. Segundo os dois jornalistas, a forma lamentosa de interpretar as valsas e polcas do final do século XIX deixaram aquele gênero conhecido como “música de fazer chorar”. Daí foram batizados os intérpretes do estilo, os “chorões”.

Estrutura e características do choro

O choro tem a estrutura de um rondó. O rondó é a forma musical na qual temos uma parte principal (“A”) que se repete, revezando com outras partes (“B” e “C”). Criado no período barroco, no século XVII, o rondó é um formato ainda presente na música.

O choro tradicional é binário e dividido em duas ou três partes. Muitas vezes, o tom da canção é alterado em cada uma dessas partes, geralmente para o tom relativo ou quarto grau. O mais usual é que cada uma dessas partes tenha 16 ou 32 compassos.

Saiba que é fundamental ter esses conhecimentos teóricos se você quiser saber como tocar choro.

Formação instrumental do choro

Desde o princípio até hoje, a trinca flauta, violão e cavaquinho comanda o choro. Nessa formação, a flauta sola as melodias e o violão faz a harmonia e os baixos, enquanto o cavaquinho puxa para os médios, acentuando o ritmo. Mais tarde, o violão de 7 cordas caiu como uma luva nesse tipo de arranjo.

Ao longo dos tempos, outros instrumentos passaram a ser usados, como o flautim, o pistom, a clarineta, o sax e o bombardino. Graves como tuba, trombone, oficleide e bombardão vieram para marcar as notas dos baixos, mas também fazem melodias principais em diversas composições.

Já o bandolim, a bandola e a bandurra foram adicionadas como parceiras do cavaquinho. Ajudam na harmonia, cumprem o papel rítmico e, claro, puxam lindos solos com seus timbres magníficos.

Como percussão, o pandeiro reina soberano! Vários outros instrumentos estiveram ao seu lado nesses 150 anos de choro, mas o pandeiro é a espinha dorsal do estilo.

Os maiores nomes do choro

Para compreender a história do choro por completo, é indispensável termos noção de quem foram os principais responsáveis por propagar o estilo musical por aí. Logo, listamos alguns dos nomes mais importantes do choro:

Pioneiros

O flautista Joaquim Antônio da Silva Callado Júnior, o Callado, é chamado de “o pai dos chorões”. Nascido no Rio, é dele a composição Flor Amorosa, escrita em 1867 e considerada o primeiro choro da história.

Já a primeira chorona foi a carioca Chiquinha Gonzaga. Compositora também da primeira marcha de Carnaval com letra (Ô Abre Alas!), a pianista é responsável por choros como Atraente, Lua Branca e Gaúcho (Corta Jaca).

Outro carioca, Ernesto Nazareth enriqueceu o estilo musical com sua interpretação erudita. Pianista clássico, escreveu peças fundamentais do gênero, como Odeon, Brejeiro, Apanhei-te, Cavaquinho e Escorregando.

O choro ganha o Brasil

Dono de uma obra que transcende o estilo, Pixinguinha é um dos maiores da música brasileira de todos os tempos. Sua contribuição para o choro é um divisor de águas

Inicialmente flautista, Pixinguinha formou o grupo Os Oito Batutas com outros gigantes, como Donga – autor do primeiro samba da história, Pelo Telefone. Completavam a banda Raul Palmieri (violão), Nelson Alves (cavaquinho), China (voz, violão e piano), José Alves (bandolim e ganzá) e Luis de Oliveira (bandola e reco-reco).

Os Oito Batutas apresentavam-se regularmente no Cine Palais, no Rio, sonorizando a exibição de filmes mudos. Enquanto isso, no Cine Odeon, do outro lado da rua, Ernesto Nazareth fazia o mesmo.

Em 1922, o grupo fez uma turnê de 6 meses em Paris. A excursão promoveu como nunca o choro e a música brasileira na Europa. Lá, Pixinguinha teve contato com o saxofone, instrumento que adotou na volta ao Brasil.

Ele é autor de Carinhoso, uma das obras mais importantes da música brasileira. Também compôs Rosa, Um A Zero, Lamentos e outros clássicos!

O choro conquista o mundo

O choro cruzou os caminhos do ragtime e do jazz americano, brincou com o primo samba e rendeu frutos por todo o século XX. Além disso, foi abraçado também pela música clássica.

Das mãos de Villa-Lobos, surgiu, nos anos 20, uma série de composições dedicadas ao gênero. Em 1956, Radamés Gnattali escreveu a suíte Retratos, em homenagem a Chiquinha Gonzaga, Anacleto de Medeiros, Ernesto Nazareth e Pixinguinha.

A partir dos anos 20, com o crescimento do mercado de discos e da rádio, novas estrelas surgiram para incorpar a história do choro. Entre elas, destaque para o virtuoso Jacob do Bandolim e Waldir Azevedo, autor da histórica Brasileirinho.

Nas décadas seguintes, nomes como Raphael Rabello, Yamandu Costa e Hamilton de Holanda ajudaram a perpetuar o estilo. O choro chega ao século XXI como um dos patrimônios da arte e da nossa cultura.

A história do choro se confunde com a história do país. Impossível não se identificar! Portanto, compartilhe este artigo com os amigos e mergulhe conosco no primeiro gênero musical genuinamente brasileiro!

Foto de Geraldo Paim

Geraldo Paim

Jornalista e produtor de conteúdo. Fissurado em música e ligado em artes, história e crítica cultural. Cantor e compositor, além de tocar violão, guitarra, piano e baixo.

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